Elvis Roqueiro ou Seresteiro?
Elvis Roqueiro ou Seresteiro?

Roqueiro ou Seresteiro?

A Influência dos Ritmos Latinos no Repertório de Elvis

La vez que Elvis Presley grabó una película en México | Entretenimiento  Cine y Series | Univision

Em 1995, a gravadora BMG da Argentina lançou um álbum curiosamente intitulado “Elvis Latino”. O disco contém uma compilação de 26 faixas, incluindo gravações oficiais e takes raros desconhecidos do grande público. Como o próprio nome sugere, o álbum apresenta Elvis interpretando ritmos latinos ou canções com forte traço de latinidade. Pouco tempo depois, em 1998, a BMG do México lança o primeiro CD de uma série de cinco volumes, Elvis Le Canta a Mexico. O encarte do disco refere-se a Elvis como o “rei da música rancheira”. Para a maioria do público, pode parecer estranho que álbuns do “Rei do Rock” tenham estas características. Todavia, para aqueles mais versados em Elvis, esta latinidade não causa surpresa. Ao contrário, ela é de longe conhecida pelos fãs, estando fortemente presente na discografia de Elvis desde a década de sessenta.

Talvez, não seja exagero dizer que, depois do Blues, da Country Music e do Gospel, os ritmos latinos são a quarta influência mais predominante no repertório de Elvis. Para um intérprete genuinamente norte-americano, sobretudo da estatura de Elvis, esta característica é surpreendente. Isso porque o americano típico, de nível cultural mediano, não demonstra grande interesse por outras culturas ou por outras línguas. Assim, como explicar esta latinidade de Elvis? Quando começou? Qual a sua causa?

Um exame minucioso da discografia de Elvis revela que a primeira canção com forte tônica latina foi It’s Now or Never, lançada oficialmente em 1960. Esta canção é uma versão do original italiano “O Sole Mio” de Giuseppe Anselmi. Interessante que, na gravação de It’s Now or Never, há a participação de um músico colombiano nascido em Bogotá, mas radicado nos Estados Unidos. Trata-se do baterista Bill Lynn, falecido em 2006 aos 73 anos.

Indubitavelmente, o álbum mais latino de Elvis, até pela força do enredo do filme, é Fun in Acapulco, lançado em novembro de 1963. Em Fun in Acapulco, são apresentadas faixas que remetem ao pasodoble (The Bullfighter Was a Lady; El Toro; Marguerita), ritmo de Chá-Chá-Chá (No Room to Rhumba in a Sports Car) e música rancheira (Vino, Dinero y Amor). Algo de rumba e salsa pode ser ouvido na faixa Mexico. Neste mesmo disco, encontra-se Guadalajara, praticamente o segundo hino nacional mexicano. Esta é a única música totalmente cantada por Elvis em espanhol, mas com forte sotaque e letra quase ininteligível. A música Bossa Nova Baby, ao contrário do que o nome sugere, não é bossa nova, mas uma mistura de ritmos latinos. Bossa nova, propriamente dita, Elvis gravou na canção “Almost in Love”, cuja melodia foi composta pelo brasileiro Luís Bonfá, lançada na trilha sonora Live a Little, Love a Little de 1968. Influências da Bossa Nova também podem ser sentidas na faixa All That I Am, música do álbum Spinout de 1966.

Talvez, a gravação de Fun in Acapulco tenha despertado, ou pelo menos favorecido, o interesse de Elvis pelo universo latino. Mas, antes mesmo deste álbum, já se registram músicas latinas nas trilhas sonoras de Elvis, a exemplo de No More do filme Blue Hawaii (1961) e We’ll Be Together do álbum Girls, Girls, Girls (1962). Apesar do contexto tipicamente havaiano, No More é uma versão em inglês do clássico espanhol La Paloma. Já a canção We’ll Be Together tem elementos de música rancheira, cujo refrão é cantado por Elvis em espanhol. A música é belíssima, enriquecida com a harmonia das cordas, tendo a participação do quarteto porto-riquenho “The Four Amigos”. Elvis também se arrisca no espanhol em músicas como I Think I Gonna Like It Here, Vino Dinero y Amor e Alla en El Rancho Grande. Esta última é uma rancheira mexicana tradicionalíssima, que foi consagrada nas vozes de Pedro Infante e Jorge Negrete.

No arranjo da canção Vivas Las Vegas, é possível identificar influências da salsa e do merengue. Nesta mesma trilha sonora (Viva Las Vegas, 1964), um pouco de mambo pode ser ouvido na música Do The Vega. Um tango praticamente puro, sem mistura de outros ritmos, foi gravado por Elvis em The Walls Have Ears, faixa do álbum Girls, Girls, Girls; enquanto a ingênua canção Song of The Shrimp pode ser considerada um calypso, ritmo de origem caribenha. A música Surrender é uma versão latinizada do clássico italiano Torna a Surriento, e foi lançada por Elvis em 1961. Assim como It’s Now or Never, alcançou rapidamente o primeiro lugar na lista Billboard das canções mais executadas. Anos depois, Surrender é cantarolada por Elvis num show em Las Vegas (1969), fato que pode ser comprovado no CD número 3 do álbum triplo Collectors Gold.

Uma das causas desta latinidade de Elvis pode ter sido o cenário musical que vigorava na década de sessenta. Foi, inequivocamente, o período de maior efervescência cultural, principalmente no campo da música popular. Sobretudo, a década de sessenta se caracterizou pelo intenso intercâmbio entre a música norte-americana, a Europa e a música latina. O rock and roll, estilo genuinamente americano, influenciava fortemente os cantores europeus e latino-americanos. A música francesa e italiana despontava com enorme popularidade em todo mundo, inclusive no Brasil. Ao mesmo tempo, os ritmos latinos explodiam, alcançando boa penetração no concorrido mercado norte-americano. Assim como na década de cinquenta, a música dos anos sessenta ainda vivia o seu “período de ouro”, onde o bolero, a salsa, a rumba, o mambo, a rancheira e a bossa nova se tornavam gêneros consagrados. Maior prova disso é que outras estrelas da música também gravaram ritmos latinos. Nat King Cole, cantor negro de jazz, a voz de veludo norte-americana, gravou três álbuns em espanhol, interpretando ritmos latinos dos mais variados. O próprio Sinatra grava “Ipanema Girl” em parceria com Tom Jobim no ano de 1967. Neste tempo, os grupos mexicanos de Mariachis se multiplicam pelos Estados Unidos, acompanhado a forte corrente migratória proveniente de países latinos. O Trio de Boleros Los Panchos, embora formado por dois mexicanos e um porto-riquenho, nasce em Nova York em 1944, obtendo popularidade máxima nas décadas de cinquenta e sessenta, inclusive entre o público americano. Harry Belafonte, cantor negro nascido no Harlem (Nova York), filho de mãe jamaicana, é reconhecido como o “rei do calypso”, mantendo sua exitosa trajetória iniciada em meados de 1950. José Feliciano, cantor porto-riquenho versátil, cujo repertório inclui gêneros latinos, recebe o prêmio Grammy de 1968 como revelação daquele ano. Carlos Santana, mexicano, cantor e exímio guitarrista, destaca-se no festival de Woodstock pelo estilo “rock latino”, apresentando o seu mais célebre sucesso (Evil Ways) em 1969. Até mesmo os Beatles gravaram uma versão ao vivo do bolero Besame Mucho; versão que pode ser encontrada no álbum Live at the Star Club in Hamburg, Germany (1962). Também dos Beatles, a canção And I Love Her apresenta forte influência de ritmos latinos.

É neste rico contexto cultural que Elvis amadurece artisticamente. A latinidade de Elvis não pode ser unicamente atribuída aos roteiros cinematográficos ou à exigência de produtores musicais. Elvis cantava ritmos latinos em momentos aprazíveis de descontração, simplesmente pelo gosto de fazê-lo. Esta constatação é demonstrada em takes informais e caseiros, a exemplo de Alla En El Rancho Grande, Solamente Una Vez (You Belong to My Heart) e Mona Lisa. Em seus últimos anos de vida, Elvis resgata um dos seus maiores êxitos latinos, It’s Now or Never. Desta vez, a canção é apresentada durante os shows, adquirindo um arranjo ligeiramente diferente, mas tão latino quanto o original de estúdio, onde o refrão é carregado de metais pela orquestra do maestro Joe Guercio. Ao final do show, Elvis despede-se do público com um latiníssimo “Adiós”, demonstrando sua cumplicidade com os povos de língua hispânica.

Além do cenário musical, deve-se enfatizar a forte presença latina nos Estados Unidos, principalmente na região sudoeste. Os estados de Nevada (onde está situada Las Vegas e seus cassinos), Califórnia (onde fica Hollywood, distrito de Los Angeles), Texas, Arizona e Novo México são estados fronteiriços ou próximos à fronteira. Por isso, a influência latina é fortíssima, sobretudo de mexicanos. Fora dos estúdios de Hollywood, a “veia” latina de Elvis permanece óbvia, demonstrando que esta tendência ultrapassava os enredos dos filmes. De fato, uma profusão de ritmos latinos pode ser encontrada em canções como Fountain of Love, For The Millionth and The Last Time, Kiss Me Quick, You’ll Be Gone, Never Ending, Suspicion e tantas outras.

Frequentemente, a imagem de Elvis promovida pelo cinema remete à figura do Latin Lover ou amante latino. São muitos os filmes em que Elvis é mostrado com pele morena, sedutor, empunhando seu violão numa paisagem tropical ou a beira de praias paradisíacas. Quase sempre, está cercado de mulheres bonitas, conquistando-as galantemente com suas canções. Talvez, por esta razão, as músicas latinas tenham caído tão bem dentro do roteiro dos filmes. No Brasil, Elvis é descrito como “seresteiro”, adjetivo que foi empregado pelo cinema nacional para referir-se a ele no filme Fun in Acapulco (O Seresteiro de Acapulco).

Na década de 70, Elvis reafirma sua latinidade em gravações como Padre, Spanish Eyes e In The Heart of Home. Características de ritmos latinos também podem ser vistas no arranjo da canção Fools Rush In do álbum Elvis Now (1972). A canção Little Darling, faixa do último álbum de Elvis (Moody Blue, 1977), também possui influências latinas. Porém, na gravação precursora do grupo The Diamonds (1957), Little Darling tem uma latinidade ainda mais evidente, que remete aos ritmos cubanos e caribenhos. A canção romântica It’s Midnight, encontrada no álbum Promised Land (1975), não é propriamente um gênero latino. Mas, durante o refrão, Elvis eleva o tom rapidamente, alcançando notas agudíssimas que são intercaladas por alguns falsetes. Ao mesmo tempo, o som das cordas nitidamente se sobressai. Coincidência ou não, o resultado obtido é semelhante àquele visto em muitas rancheiras mexicanas; gênero musical que, segundo muitos críticos, influenciou a raiz da música country americana.

A latinidade de Elvis é tão evidente que foi reconhecida pelos seus imitadores mais reputados. Jimmy Ellis (Orion), um dos maiores, senão o maior imitador de todos os tempos, gravou Old Mexico. Também o cover Doug Church gravou a canção La Vida Loca no álbum sugestivamente intitulado de Kingtinued. Embora estas canções jamais tenham sido gravadas por Elvis, elas fazem alusão, ou pelo menos reconhecem, o lado latino do Rei. Jack Jersey, ainda que não seja propriamente um imitador, apresenta um repertório fortemente influenciado por Elvis, gravando inúmeros ritmos latinos.

Elvis também gravou versões brilhantemente arranjadas de músicas italianas, a exemplo de You Don’t Have To Say You Love Me, e das já citadas Surrender e It’s Now or Never. A faixa Santa Lucia é uma canção napolitana cantada por Elvis em italiano, tendo sido lançada nos álbuns Elvis For Everyone (1965) e Viva Las Vegas (álbum reeditado de 1964). No final do texto, apresentamos alguns vídeos selecionados do Youtube, sendo a maioria proveniente dos filmes de Hollywood. Além das músicas anteriormente referidas, também foi anexada uma lista não exaustiva de 20 canções de Elvis, todas apresentando influência latina, seja em maior ou menor grau.

A latinidade de Elvis é uma demonstração inegável de sua versatilidade como artista. Comprova que Elvis era um intérprete versátil, completo, aberto a outras tendências e atento ao cenário musical. Pode-se dizer que Elvis possuía potencial para gravar brilhantemente aquilo que quisesse. E quando gravava, imprimia sua marca inconfundível, elevando a canção a outro nível. Fazia isso com maestria e competência, pois tinha sensibilidade para incorporar estilos musicais dos mais variados. Sobretudo, esta latinidade aproxima Elvis dos seus fãs latino-americanos. Nós, em particular, admiradores do Brasil, país latino considerado um dos maiores redutos de fãs em todo o mundo. Viva Elvis!

Solidonio

Colaborador do Amost Elvis JP Fan Club

16 de Fevereiro de 2016.

 

Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Google-Translate-Portuguese to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

Rating: 2.5/5 (802 votos)




ONLINE
2




Partilhe esta Página